sábado, 19 de julho de 2008

Lá vai o coitado do burro

1 de Janeiro de 2007
Ano novo, vida nova, experiências novas. É com base nesta frase que um grupo de Rapazes de João Galego decidiram fazer algo que ficasse marcado para a história desta localidade. O quê que resolveram fazer naquele dia? Imagina só, determinaram fazer uma grelhada de burro. Sim, isso mesmo! Grelhar o burro, aquele animal que tem orelhas grandes, 4 pés e serve para o transporte de cargas e pessoas pelo menos na ilha das dunas. Mas vamos ao que interessa!Lembro-me que era por volta das 9 horas da manhã, eu estava deitada na minha cama cansada depois de ter passado uma noite maravilhosa! Aliás era noite do fim de ano. Um grupo de rapazes entraram na nossa casa com uma barulheira que acabou por acordar todo o mundo – alias todo o mundo nada eu e a minha irmã Isa. Levantei-me meio “stramontod” e perguntei a minha irmã o que se passava. Ela com um ar meio surpreso e parecendo não acreditar respondeu-me: “arr ta bá mata burr pa cmê”. Eu surpresa e ao mesmo tempo contente porque afinal ia realizar o meu desejo. Isto porque todas as pessoas que comeram carne de burro disseram-me que esta era maravilhosa, logo criou em mim o desejo de experimentar.

Corri para a casa de banho, lavei o rosto, passei uma mão no meu cabelo, apanhei a minha câmara fotográfica digital e fui atrás dos rapazes. Descemos uma ribeira, conhecida por “rbirinha”, percorremos mais uns metros e chegamos ao ponto do encontro. Ainda não acreditando, eu e a minha irmã, as únicas mulheres presentes no acto, ficamos ali a observar mas ela acabou por desistir devido ao facto de não aguentar mais ver aquela cena.


Era uma coisa estranha, apesar de semelhante ao que acontece com os outros animais que já estamos acostumados a lidar. Talvez pelo facto de ser um animal muito grande. O que é certo é que dava arrepio ao ver os rapazes a esfaquearem o coitado do burro e ver todo aquele mar de sangue espalhado no chão. O animal lutava com toda a sua força para ver se conseguia escapar mas todo o esforço foi em vão.


A minha irmã arrepiou ao ver aquela imensidade de sangue no chão, parecia que os cabelos dela iam fugir. Mesmo assim no meio daquela cena chocante os rapazes encontravam forças para brincarem uns com os outros chegando a dizer: "panha tchala (titapa na badiu) pa pta sangue pa fazé botchada". Desanimada com a situação a minha irmã deu as costas e abandonu o local.
Para ela seria natural se aquele animal que estava ali esticado no chão a sofrer fosse uma cabra, uma vaca ou até mesmo uma galinha mas não, era um burro, um animal que serve simplesmente para o transporte e não para meter na panela quanto mais comer.


Após ter morto o animal, tiraram-lhe a pele, a cabeça e de seguida abriram-lhe a barriga e fizeram-lhe uma limpeza por dentro e depois esquartejaram-no. De certo que todo o material que não iria ser utilizado foi jogado fora, inclusive os rins, os pulmões, o coração e toda a ossada – estes eram para os animais.


A parte mais engraçada foi a chegada do grupo na localidade de João Galego. Meu Deus! Imagina você a confusão entre os prós e contra do acto que tinha acabado de ocorrer. Não queres? Pois, não o faça porque não o vais conseguir. Uma turma de um lado com expressões faciais conotando nojo; os prós todos sorridentes porque afinal iriam ser os primeiros na zona Norte a comerem carne de burro. O mais interessante que a explicação utilizada para os prós era o seguinte: “sno ta cme galinha kta cme na káka, lixe; sno ta cme porc kta cmé um mont dmer…, porque ke nó ca ta cmé burr ke ta cmé só padja”. Por um lado eles estavam certos, nos comemos galinha e porco que são dois animais sujos, posso assim dizer, que comem de tudo o que lhes passam pela frente porque não comer o burro que só alimenta da sua palhinha que ele encontra no chão e que o seu dono lhe dá. Se as pessoas me disserem que não o comem porque este não se encontra no nosso cardápio! Aí sim eu respeito a decisão de cada um porque este é um aspecto curioso e interessante. Lembro-me que mesmo querendo comer aquilo havia uma série de barreiras que para ultrapassa-las foi preciso um esforço enorme.


HORA MAIS ESPERADA


Depois da discussão ter acabado, de ter cortado e temperado a carne, “no tchal ta tma temper”, isto por volta dos 12:30. Às 5 horas da tarde segue a ora mais aguardada do dia. Uns para saborearem o gosto da carne de burro, outros para verem se as pessoas realmente tinham a coragem de comer a referida carne.


“Até quenfim” Chegou a hora! Dá para imaginar a quantidade de pessoas presentes naquela rua? Se não estou em erro 70% da população de João Galego se encontrava ali à espera. “Grilhada a vontade”. A cara de uns assemelhava a cara de quem estava comendo um bom prato de lazanha ou então um bife de vaca bem passado na frigideira, uma cabritada, enfim comidas que dão agua na boca só de pesarem nelas. Outros nem dá para descrever a cara porque se assim o fizer você que esta lendo esta história de certeza que vai sair correndo para a casa de banho. Mas continuando. Lembro-me que alguém apareceu e disse: “buces ta na zoológico” e um dos degustadores da carne do burro respondeu – “ primer animal li presente i bu pai kta li ta cme burr moda um doit”. Na verdade o pai desta pessoa pensava que aquela grelhada foi feita pensando nele. É que esta pessoa comia aquela carne que … nem sei como descrever. Parecia que ele não havia tomado café, tão pouco almoçado só para se preparar para o acto.


Os grelhadores – Arieta, Banet, Culit, Plera – estavam ali prontos para servirem os “clientes”. De certo que eu e a Banet a coragem nos faltou. Demoramos um tempo para saborear aquilo. Todo o mundo perguntava “Arieta dja bu cmê?” E eu respondia “sim”. “Anton manera qta” – “uma delícia” – respondia eu. O que é certo é que naquele momento eu ainda não tinha provado nada. É que de repente deu-me um nó na garganta que nem eu sabia explicar o que era.


Enquanto eu e os meus colegas estávamos ali no batente a grelhar, um bando de pessoas sorridentes e com “bocas bem ferozes” saboreavam a carne de burro. Parecia que estávamos num cinema: no palco os degustadores e os grelhadores de burro e ao redor o publico. Mas o triste da história é que a nossa peça não foi aprovada pelo público, infelizmente este não gostou da cena retratada no “filme”.


Quanto a mim, confesso que comi a carne mas o mais importante eu não soube fazer – não consegui degustar a carne. Talvez o receio por estar a comer uma coisa que não faz parte do meu dia a dia; comer um animal que eu utilizo só para montar e seguir rumo a “cabeça de curral doce” ajudar o meu pai e os meus irmãos na agricultura; ou então porque vivi toda aquela cena chocante do esfaqueamento do animal. Uma experiência nova que ficará marcada na minha memoria e na memoria da população de João Galego - 1 de Janeiro de 2007 data inesquecível.

6 comentários:

Valdevino Bronze disse...

M'nininha..realmente m te kuase te ba pa casa de bonhe ma bo sebia ké ne Porte Nove maltas te po ne fila pe c'mé carre de burre? pois eh...eje dze lê sebin...
M te admirá bo coragem pe ser sincera num ôssunte "purkin" modé ésse..lol
M gostá de bo blog...e de gente de Bubista..aliás m te vivé rodeod deje...n né bzot é k te dzé "arr bai arr bém...cuza jotz, ka s'bé léi ka s'bé xcrevéi"... ops!

Benvindo Chantre Neves disse...

Ya, Vavá, ja'm tinha uvid dzê quê gente de Porto e que bé pe Bubista inxná maltas matá burro. So que gora arr vrá especiélista.

arr ê mut corajoso, sô jatura...

hahah, cabrera, mais uns dias buciz ca ta oiá nem um burrin na bubista, só se for burr Ciód pret, hehehe

ary cabrera disse...

oh bava assim bu ta tchom mariod.
oh Valdevino obrigada pa bu mensagem e por ter gostod dnha blog. mi tambem mta gosta tcheu dbu blog. mta confessob que mta dmora tcheu temp pa le criol de sintanton mas mta intende. mta gosta tcheu de kes storia de sintanton kbu ta poi la. sempre que possivel ora ke mta entra na blog de Benvindo mta clica na link pa bu blog. el é um blog que mta gosta de entra pamod mca ta para de arri.
sbu ta permitim a partir dhoje mta po um link pa bu blog na dmeu. fca drete.

Valdevino Bronze disse...

waw! Quanta honra! ja agora un ta poi um de bossa tambéi..hehehe... Vida é um flash, ka perdé nem um oportunidad d'arri, ja agora de sorri també"!
Prazer!

dutilleul disse...

Eu não sei crioulo, com pena minha, não podendo assim tirar total partido de algumas deliciosas narrativas que por aqui, na blogosfera de Cabo Verde se vão fazendo.

““sno ta cme galinha kta cme na káka, lixe; sno ta cme porc kta cmé um mont dmer…, porque ke nó ca ta cmé burr ke ta cmé só padja”.

Aventurei-me a traduzir este pedaço e gostava que me dissessem se me arrisco a ser comido.

Então aqui vai:

“o senhor come galinha que até come caca e lixo; o senhor come porco que até come um monte de merda …, porque é que não quer burro que até só come palha?”

Safei-me ou vou ser comido?

Benvindo Chantre Neves disse...

A autora não respondeu, mas vou fazê-lo pra si, passa o atrevimento:

Nota (quase)10 para a tradução. Apenas errou no "sno". na verdade não se trata de "o senhor" mas sim de uma aglutinação, isto é. "se + nós". então seria: se nós comemos... Ou então: se se come...

Abraço